Ao longo dos anos tive inúmeros aconselhados que sofreram por terem sido abusados sexualmente quando crianças. Isso faz parte do meu passado também. Compreensivelmente, os efeitos disso são devastadores. Na maioria dos casos, os abusos foram cometidos por alguém que o aconselhado conhece e confia. Isso somente agrega à dor, ao sofrimento, à confusão e aos sentimentos de traição.
Nessa vida, todos nós experimentamos sofrimento, de um jeito ou de outro. Homens e mulheres que sofreram nas mãos de pessoas maldosas lidam com vergonha, medo, ira, culpa, dificuldade nos relacionamentos, em confiar nas pessoas e até mesmo em Deus. Eles desejam se ver livres da dor e das memórias associadas com aquilo que passaram. Querem crer que Deus é bom e que ele fará com que até mesmo isso coopere para o seu bem, mas a dor que eles carregam continua a puxá-los para baixo. É como se eles estivessem carregando uma bola de ferro acorrentada ao pescoço, que parece que não vai deixá-los.
Nosso foco natural em meio a dor Muitas vezes, pessoas que sofreram dessa maneira querem tentar entender o que aconteceu com eles, achando que se conseguirem compreender a dor irá embora e eles serão finalmente livres. Em suas mentes, e na mente de um mundo guiado pelas emoções, “cura emocional” é o nome do jogo. Cura e, subsequentemente, uma vida sem dor é o que eles mais desejam. Na mente das pessoas que lutam por viver uma vida se as dores dos machucados do passado, eles esperam:
Nunca mais se prender a memórias doloridas;
Nunca mais lidar/conviver com os efeitos do pecado cometido contra eles;
Nunca mais temer o que as pessoas pensam deles;
Nunca mais temer se aproximar de alguém ou ser vulnerável;
Nunca mais temer ser conhecido. Qual é o foco desse tipo de pensamento? Creio que é o “eu”. Nesses desejos, Deus não está verdadeiramente presente. Quando não consideramos Deus nas circunstâncias, poderemos perder de vista também o porque ele permitiu nossa dor. E se fosse considerado, possivelmente seria porque apenas gostaríamos que ele nos desse o que queremos—alívio. Ele estaria com a gente, e não o contrário. Aqueles de nós que sofreram abuso não fizeram nada para merecer isso. Não somos responsáveis pelo mal que nos foi cometido. Por razões desconhecidas a nós nessa vida, Deus em Sua sabedoria permitiu que o abuso ocorresse.
Um foco melhor
Em minha vida e em meu aconselhamento, creio que ao invés de conquistar uma vida sem dor, é melhor focar no que Deus deseja cumprir em nós ao permitir sofrimento em nossas vidas.
Em seu livro “Fé na Era do Ceticismo”, Timothy Keller apresenta um excelente argumento. Após explicar o pensamento de um filósofo contra a existência de Deus baseado de existir tanto mal sem propósito no mundo, Keller escreveu: “Por trás da afirmação de que o mundo está cheio de males inúteis, há uma premissa escondida, a saber, que, se o mal parece inútil para mim, então deve ser inútil”.
Em nosso entendimento limitado, não temos sabedoria nem o conhecimento necessário para compreender tudo o que Deus está fazendo em nossas vidas. Talvez não conseguiremos entender Suas razões para permitir o mal que nos acometeu.
Buscar uma vida sem dor pode nos consumir, e deixa de cumprir o propósito que é a razão de estarmos aqui na terra: glorificar, magnificar, honrar o Senhor Jesus Cristo.
Ao invés de lutar com o passado a fim de garantir uma vida sem dor e sofrimento, eu encorajo meus aconselhados a olhar para Deus, para restaurar, fortalecer e equipá-los a viverem para o Rei e Seu Reino. Quando olhamos para Deus com essa motivação e desejo, passamos a apreciar o cenário maior da nossa vida, ao invés de focar em nossos pequenos reinos próprios. Encorajo meus aconselhados a viver para Alguém maior que eles mesmos.
Precisamos pensar biblicamente acerca do papel do sofrimento em nossas vidas. Meditar e aplicar ao coração esses versos do Salmo 119 nos ajudam a começar a desenvolver uma perspectiva correta sobre a dor:
“Antes de ser afligido, andava errado, mas agora guardo a tua palavra” (Salmo 119.67).
“Foi-me bom ter eu passado pela aflição, para que aprendesse os teus decretos” (Salmo 119.71).
“Bem sei, ó Senhor, que os teus juízos são justos e que com fidelidade me afligiste” (Salmo 119.75).
Verdades para renovar o pensamento
Entendemos que vivemos em um mundo caído, amaldiçoado pelo pecado, não intencionado originalmente por Deus (Romanos 1.28–32).
Um dia Deus restaurará tudo (Apocalipse 21:3–4).
Entendemos que Jesus também sofreu nas mãos de pessoas maldosas, para que nós também não fossemos surpreendidos quando sofremos nessa vida (1 Pedro 2.21–23).
Cremos que o que foi feito conosco diz mais sobre a pessoa que cometeu o abuso do que sobre nós. A pecaminosidade deles e suas escolhas egoístas revelaram seus corações e caráter, não os nossos. Vergonha e culpa pertencem a eles, não a nós (Ezequiel 18.20).
Podemos escolher não deixar o abuso definir que somos ou ditar como vivemos (2 Coríntios 5.17).
Experimentar dor pode nos levar para mais perto do Senhor e nos permitir compartilhar na comunhão de Seus sofrimentos (Filipenses 3.10).
O sofrimento nos molda em embaixadores de Cristo mais compassivos e amorosos se permitimos que Deus o use para nos transformar (2 Coríntios 1.3–7).
Experimentar dor pode revelar nossa carência de buscar a Deus e nos achegar até Ele (Salmo 145.17–19).
A dor nos dá uma perspectiva adequada do que realmente é valioso. A vida na terra é temporária. Não faz sentido gastar tempo e energia tentando alcançar algo que não durará (2 Coríntios 4.18).
Uma vida sem dor é apenas uma ilusão. É inútil se prostrar diante desse altar falso (João 16.33)
Nossas leves e momentâneas tribulações produzem para nós uma glória que em muito supera a dor (2 Coríntios 4.17). Não queremos jogar nossa dor no lixo. C. S. Lewis disse, “A dor insiste por atenção. Deus sussurra em nossos ouvidos por meio de nosso prazer, fala-nos mediante nossa consciência, mas clama em alta voz por intermédio de nossa dor; este é seu megafone para despertar o homem surdo”. Deus usará a dor para o nosso bem.
Comments