É pecado ser viciado em drogas? A vontade fisiológica por uma substância — principalmente referente a uma substância externa e química — é pecado? Se for o caso, o que dizer de um bebê que já nasceu viciado em drogas pois sua mãe usava drogas enquanto ainda estava no útero? Do que esse bebê deveria se arrepender? Pretendo criar essa tensão a fim de mostrar que uma vontade fisiológica não é um desejo perverso, mas pode originar–se de um. Esse entendimento está no epicentro do vício às drogas e de como essa vontade se desenvolve.
Clínicas de recuperação de dependência química
Clínicas de recuperação de dependência química devem focar nos efeitos fisiológicos das drogas no corpo de uma pessoa. De maneira simplificada, essas instalações estão envolvidas nas reações do “homem exterior” a substâncias químicas estranhas introduzidas no corpo de uma pessoa. Isso pode incluir internação de 48 horas, infraestrutura de internato, tratamentos de desintoxicação ou alguma participação híbrida no modelo paciente interno e externo. Todas essas clínicas focam na vontade imediata, não no desejo. E com razão. Há espaço adequado, dado por Deus, para que clínicas possam suprir as necessidades do ‘homem exterior” de alguém dependente de drogas. Tais clínicas nunca serão capazes de suprir a necessidade de ministração da mudança dos desejos das pessoas, mas são influentes na reorientação dessas vontades imediatas.
Desejos por drogas
Tiago 1.13–15 nos diz onde a vontade por uma substância começa e o que está no centro de nossos desejos perversos. O grande problema com o vício em drogas não são as ramificações fisiológicas do abuso da substância, apesar destas serem significativas. Além disso, não é o dano ao relacionamento que as drogas induzem. O maior problema com o vício em drogas é o coração da pessoa que está desejando mais o uso de drogas do que agradar a Deus. (2 Coríntios 5.9) O problema está no coração, que é a trono dos nossos desejos.
Equilíbrio bíblico sobre dependência química
Agora, se entendermos isso corretamente, o conselheiro bíblico trata os desejos desorientados do aconselhado — que afetam suas vontades fisiológicas. Mas como? Você já considerou que seus hábitos cultivam desejos, influenciam suas vontades? Por exemplo, o conselheiro bíblico chama o viciado em drogas para ser obediente a Deus e sua obra na vida dele (Filipenses 2.12–13). Isso significa ser parte da igreja (Hebreus 10.24–25), ler e meditar nas Escrituras (Salmos 1), usar seus dons para servir outros (1 Coríntios 12.18) e considerar a si mesmos como morto para o pecado (Romanos 6.11). Na medida que a pessoa faz isso, Deus trabalha nela para de fato mudar seus desejos, não apenas suas vontades imediatas (Filipenses 2.13; Salmos 37.4).
Jay Adams certa vez disse: “Quando um mentiroso deixa de ser um mentiroso? Quando ele se torna alguém que fala a verdade!”<1> Ele poderia dizer a mesma coisa sobre uma pessoa que usa drogas: a verdadeira mudança ocorre quando uma pessoa não mais deseja as drogas, o que é mais do que não ter mais aquele anseio imediato de usar drogas. A conexão entre vontades imediatas e desejos envolve a renovação da obra do Espírito Santo por meio da obediência da pessoa a Deus. Eu sei que isso é algo difícil de digerir, mas é o que explica equilibradamente o vício em drogas. A pessoa deve resistir à tentação de se envolver no uso de drogas por meio do poder do Espírito Santo. E ao fazer isso, Deus usa seus passos de fé para mudar seus desejos, para que não apenas evite drogas, mas, deixe de desejar usá-las.
O hábito do uso de drogas
Há duas coisas que o uso de drogas faz com uma pessoa: a primeira é cultivar vontades fisiológicas e a segunda é cultivar desejos. Sim, você leu isso mesmo. O hábito de usar substâncias químicas estranhas (abuso de drogas) no corpo cultiva tanto vontades quanto desejos por essas substâncias. É aí que os hábitos entram. A frequência com que pratica isso modela seus desejos e os soma às suas vontades imediatas. Em outras palavras, você não deseja aquilo que nunca experimentou. Ou nem mesmo tem vontade. É necessário prática frequente para cultivar o desejo e a vontade imediata nesse contexto.
Aconselhamento bíblico busca tratar as práticas frequentes, os hábitos daqueles que usam drogas, a fim de mudar seus desejos. Deus chama uma pessoa para andar pela fé baseada em uma visão robusta da Escritura. A Escritura nos chama a sermos mordomos de nossos corpos, discipliná-los, negá-los e consagrá-los ao Senhor. Ao usarmos nossos corpos para a glória de Deus, nós estamos sendo transformados por Deus para querer usá-los para sua glória. É isso que Davi sugere no Salmo 37.4: “Agrada-te do Senhor e ele satisfará os desejos do teu coração”. O seu dever é agradar-se dele, e Deus implanta os desejos.
Recaídas por avivar desejos a beira da morte
Assim, o perigo de ter recaídas no uso de drogas não se trata apenas de desonrar o Senhor (usar drogas é desonra ao Senhor). É também estar dando oxigênio para os desejos por droga que estão quase morrendo. Quando uma pessoa retoma o envolvimento pecaminoso com as drogas, cultiva tanto vontades imediatas quanto desejos — alimentando a chama, por assim dizer. Não é nenhuma surpresa que a pessoa esteja com dificuldades para mudar! A única forma de se livrar do vício às drogas é total obediência ao chamado de Deus por meio da ajuda do Espírito Santo. Ao fazer isso, Deus “apaga” o desejo dessa pessoa por drogas. Isso é santificação total! É algo que somente o evangelho pode fazer na vida de uma pessoa.
Questões para reflexão
Como o entendimento de vontades imediatas e desejos muda o seu aconselhamento? O que significa aconselhar vontades imediatas e desejos? Ao aconselhar desejos, em quais áreas você deve crescer na dependência da obra do Espírito Santo para mudar uma pessoa?
Este post, de autoria de Greg Gifford, foi originalmente publicado no blog da Biblical Counseling Coalition. Traduzido por Natália Rios e revisado por Lucas Sabatier. Republicado mediante autorização.
*Os conceitos e posicionamentos emitidos nos textos aqui publicados são de inteira responsabilidade dos autores originais, não refletindo, necessariamente, a opinião da direção e membros da ABCB em sua totalidade.
<1> Jay Adams, The Christian Counselor’s Manual (Grand Rapids, MI: Zondervan, 1973), 178. Tradução livre. (Disponível em português como Manual do Conselheiro Cristão).
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